quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Alzheimer: o cessar lento da memória, não dos laços afetivos

“Alzheimer apaga a memória, não os sentimentos”. (Pasqual Maragall)

A população mundial está ficando mais velha. Em países desenvolvidos a expectativa de vida ultrapassa os 82 anos. Contudo, com o envelhecimento da população há uma maior incidência de doenças crônicas degenerativas, entre elas as demências, sendo a Doença de Alzheimer a forma mais comum de demência.

A doença de Alzheimer (DA) é essencialmente uma síndrome neurológica degenerativa, progressiva e irreversível. A DA deteriora as funções cognitivas –  memória, orientação, atenção e linguagem –  causada pela morte de células cerebrais. Esta deterioração interfere diretamente na autonomia e na qualidade de vida do indivíduo, impactando significantemente suas atividades cotidianas.

A DA também impacta a vida dos familiares e/ou pessoas que se dispõem a cuidar desse paciente. Com efeito, cuidar de um ente querido acometido com DA configura uma responsabilidade, um desafio diário diante da vivência do luto antecipatório, e uma constante reafirmação dos laços de afeto e amor para com aquela pessoa.

Silvana Aquino, psicóloga com vasta experiência em cuidados paliativos e uma estudiosa dos assuntos que permeiam a morte e o morrer, conta-nos por meio de um texto belíssimo como foi para ela cuidar de sua mãe que possuía a doença de Alzheimer e sua vivência do luto antecipatório.

“DAME VALENTINA”
"- Não tenho boas notícias para te dar...
- O que a minha mãe tem?
- Sua mãe tem doença de Alzheimer.
- E qual o tratamento?
- Prozac e amor.

Tive esse breve e impactante diálogo com o médico neurologista que acabara de fechar o diagnóstico da doença de minha mãe. O ano era 1994. Os sintomas haviam se intensificado nos últimos meses e era visível o seu desconforto com as alterações que ocorriam em sua mente confusa. Ali começava também o meu longo processo de luto. Não poderia dimensionar o quão severamente estaria ameaçada a sua marcante presença em minha vida. Ainda não podia prever as inúmeras perdas, simbólicas e concretas, que a doença progressiva e incurável nos traria ao longo dos 26 anos que convivemos com a degeneração gradativa e despersonalizante de suas funções. Olhei para ela e percebi a tristeza cortante em seus olhos. E, neles, vi o meu próprio reflexo, carregado de pesar, temor e impotência diante de um diagnóstico ainda tão pouco conhecido, mas já presente na história de nossa família, cuja lembrança nos parecia devastadora.

Por muitos anos, encontrei sérias dificuldades para lidar com as mudanças relacionadas às várias etapas que se sucediam e que falavam a respeito da piora inevitável da doença. Vivi um forte sentimento de desamparo, pois ainda sentia uma grande necessidade de receber cuidados e orientações para a minha vida, que ainda florescia. Era jovem e havia terminado a graduação em Psicologia, ao mesmo tempo em que ingressava no Mestrado e me preparava para casar. Vida nova, cheia de desafios e incertezas. Olhava para ela, e tudo o que eu queria era ouvir seus conselhos e contar com seu apoio, mas tudo o que ela precisava era que eu lhe ajudasse no banho e vestisse as suas roupas, porque ela simplesmente não sabia o que fazer com elas. Dali para a frente era ela quem contava com o meu apoio.

O progresso do Alzheimer desintegrou as experiências mais significativas de nossas vidas. Chorei a cada dia que amanhecia e que percebia uma memória a menos, uma tarefa simples que ela já não era capaz de executar sem a ajuda de terceiros, as bruscas e desesperadoras alterações de humor, tão duramente incompatíveis com sua doçura constante. Perdemos nossas tardes após o almoço, quando nos deitávamos juntas para folhear as páginas do jornal, perdi seus bolinhos de chuva (os melhores que já comi), e que ela preparava carinhosamente para receber minhas colegas da escola. Perdi a possibilidade de ouvir sua linda voz, cantando Benito di Paula, enquanto arrumava a nossa casa. Perdi a possibilidade de ser reconhecida quando ela passou a me olhar e a não me ver como sua filha, tão amada. Perdi a experiência de testemunhar sua alegria com o nascimento de seus netos, cujo crescimento ela não acompanhou. Foram eles que acompanharam o seu declínio.

Após o nascimento do meu primeiro filho, ela apresentou um quadro clínico agudo, que a levou ao CTI. Naquele instante, quando percebi a ameaça de perdê-la, fui tomada por um intenso processo de ampliação de consciência, que me fez substituir a revolta e a impaciência pela compreensão de que ela não tinha escolha para fazer diferente. Mas eu tinha. Conversei com meu pai, também afetado e confuso por todas as transformações que a doença trazia para as nossas vidas, e a partir da data de sua alta hospitalar e de seu retorno para casa, após 10 dias de internação, decidimos que assumiríamos, definitivamente, o lugar do cuidado na medida exata de sua necessidade. Desenvolvemos um forte sentimento de solidariedade e ajuda mútua, aprofundamos nossa dimensão espiritual e utilizamos os nossos recursos emocionais para fortalecer nossos laços de afeto. Investidos de uma atitude empática diante das suas dificuldades, decretamos que a partir daquele dia aprenderíamos a usar o bom humor para rirmos de nossas limitações e humanizarmos profundamente nossa relação com ela.

Vivemos intensamente cada dia em que estivemos ao seu lado. Comemoramos cada aniversário, porque sabíamos que era o que ela gostaria que fizéssemos. E me dei conta de que, apesar de a doença ter se manifestado numa fase tão precoce da sua vida e no final da minha adolescência, ela já tinha me deixado uma grande reserva de lições e ensinamentos, que eu não poderia desperdiçar. Além de um amor incomensurável e incondicional. Numa manhã, em 2004, quando eu já havia sido apresentada aos Cuidados Paliativos como parte de minha formação profissional e o praticava diariamente nos cuidados com ela, recebi o seu último presente. Antes de sair de casa para mais um dia de trabalho, como era de costume, fui ao seu leito para lhe desejar um bom dia e pedir a sua bênção. Ela estava especialmente desperta naquele dia. Olhou para mim, com olhos alegres e comovidos e disse: “minha filha!” Caí num pranto profundo, o mesmo que me toma agora, quando resgato essa lembrança. Fazia 4 anos que ela não emitia um único som! Foi a última vez que ela falou. Mas ali tive a certeza de que, se o Alzheimer destrói conexões neurais, ele não é capaz de atingir conexões afetivas.


A última fase da doença durou 15 anos, contrariando as estatísticas que estimam de 1 a 3 anos para a sua fase final. Viveu esse longo período acamada, com alimentação exclusiva pela gastrostomia, cuidada quase que 100% do tempo em domicílio, com ajuda de cuidadoras e serviço de home care, com internações pontuais apenas para o controle de sintomas por intercorrências inevitáveis. Aos 17 dias do mês de setembro do ano de 2015, no início da noite, minha mãe partiu. Meu pai me telefonou avisando que ela não reagia ao seu toque. Cheguei a casa logo em seguida e pude constatar sua expressão serena, apesar do seu corpo inerte. Também a morte tem a sua expressão.

Chorei copiosamente por alguns instantes, sentindo um misto de tristeza e alívio. Seu longo processo degenerativo chegava ao fim. Agradeci imensamente a Deus por sua partida ter ocorrido exatamente como imaginávamos: sem dor aparente, sem tratamentos fúteis e invasivos, em seu leito, no aconchego de sua casa, perto da gente. Meu marido, grande parceiro ao longo de todos estes anos, tratou de tomar as providências para resolver as questões práticas para o funeral. Optamos pela cremação e fizemos uma bela despedida, à altura da beleza que foi a sua vida. Depositamos suas cinzas no Alto da Boa Vista, na Floresta da Tijuca, lugar pelo qual ela tinha verdadeira adoração. Foi a forma que encontrei de integrá-la àquela atmosfera de natureza exuberante e significativa para a sua história.

Minha mãe marcou a vida de muitas pessoas, sempre bondosa, conselheira, amante dos estudos e grande incentivadora para que eu chegasse o mais longe possível em minha formação. Lembro-me de seu empenho e de seu investimento quando iniciei a faculdade. Já doente, durante os períodos de lucidez, ela sempre dizia: “Minha filha, se você tiver a vontade de estudar que eu tive e não pude, vou fazer de tudo para te proporcionar condições para que você conquiste o seu lugar. Mulher negra e pobre precisa se dedicar em dobro para conseguir o que deseja”. Nunca me esqueci disso.

O Alzheimer apagou a sua memória, mas jamais nos distanciou. Pelo contrário, nunca estivemos tão ligados uns aos outros, pois entendíamos que a doença era uma grande oportunidade de ampliar o significado que se atribui à vida em família. Somos todos passageiros e companheiros de uma jornada finita, e essa é a nossa única chance de fazermos desta travessia uma experiência transformadora e inesquecível. Contar a sua história e registrá-la em escritos é a forma que encontro de elaborar o meu luto. Quando a saudade aperta, subo o Alto e inspiro o ar puro que circula entre a vegetação. Ali, o oxigênio tem uma pitada de afeto materno, que renova as minhas forças. Sinto-me muito grata e honrada pela oportunidade de encontrar com essa mulher admirável que minha mãe foi. Sua presença segue comigo todos os dias, porque o seu legado vive dentro de mim".

Texto escrito por Silvana Aquino filha da dona Valentina

O relato de Silvana reafirma que a doença de Alzheimer jamais será capaz de apagar os laços afetivos entre nós e aqueles que amamos.

Obrigada Silvana!

Nazaré Jacobucci
Psicóloga Especialista em Luto
Psychotherapist Member of British Psychological Society

Este post teve a colaboração de Silvana Maria Aquino da Silva, Psicóloga, Mestre em Sexologia pela Universidade Gama Filho, Especialista em Psicologia Oncológica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA), Docente do Curso de Extensão em Psico-Oncologia e Tanatologia da PUC- Rio. Atualmente ela trabalha no Grupo COI – Clínicas Oncológicas Integradas.

Referências:
MARINS, AMF; HANSEL, CG; DA SILVA, J. Mudanças de comportamento em idosos com Doença de Alzheimer e sobrecarga para o cuidador. Esc. Anna Nery, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 352-356, junho 2016.  Available from
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452016000200352&lng=en&nrm=iso
FERNANDEZ-CALVO, B et al. Resilience in caregivers of persons with Alzheimer's disease: A human condition to overcome caregiver vulnerability. Estud. psicol. Natal, v. 21, n. 2, p. 125-133, junho 2016.   Available from http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2016000200125&lng=en&nrm=iso.
Oliveira, KSA, Lucena, MCMD, Alchieri, JC. Estresse em cuidadores de pacientes com Alzheimer: uma revisão de literatura. Estudos e Pesquisas em Psicologia. Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 47-64, 2014. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/epp/v14n1/v14n1a04.pdf
Organização Mundial da Saúde (OMS). OMS: Expectativa de vida subiu 5 anos desde 2000, mas desigualdades na saúde persistem.19 de maio 2016. Available from
http://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5102:oms-expectativa-de-vida-subiu-5-anos-desde-2000-mas-desigualdades-na-saude-persistem&Itemid=839

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O que não dizer a uma pessoa em processo de luto

"O silêncio também fala, Fala e muito!
O silêncio pode falar mesmo quando as palavras falham”. (Osho)

O luto é um processo normal de elaboração diante de um rompimento de um vínculo. Este processo se iniciará por perdas reais e/ou simbólicas, ou seja, cotidianamente nós passamos por este processo e ele será vivenciado por toda a nossa existência. Contudo, o luto fica mais em evidência após a morte de um ser humano.

Possivelmente, neste exato momento, você conheça alguém que esteja vivenciando um processo de luto. Como na nossa sociedade moderna pouco falamos ou se quer pensamos sobre a morte, então, em muitas situações, não sabemos o que dizer ou até mesmo como agir diante de um enlutado. Muitas vezes, as palavras são absolutamente ineficazes e, às vezes, no desejo de querer confortar a pessoa enlutada, podemos dizer coisas que, na verdade, podem piorar a situação.

Quando estamos diante de um enlutado devemos ter muito cuidado com as palavras, pois a necessidade de dizer algo pode ser mais constrangedora que o silêncio. Uma palavra dita inadequadamente pode ter um impacto devastador para alguém que está vivenciando um momento de extrema fragilidade. Na minha prática clínica ouvi muitos pacientes comentarem sobre frases que lhes foram ditas e que não lhes ajudaram em nada. Ao contrário, muitos expressaram tristeza e até mesmo raiva por essas frases. Por isso, preparei uma lista de frases para que possamos refletir sobre o que não dizer a um enlutado.

ü Quando uma pessoa morre após um longo período de internação por doença sem possibilidade de cura:
“Pelo menos ele(a) agora não está mais sofrendo” – “Ele(a) agora está num lugar muito melhor que nós” – “Deus sabe sempre o que faz” – “Tudo nesta vida tem uma razão” – “Deus não nos dá tristezas que não possamos suportar” – “Ele(a) já tinha idade viveu bastante”...

Estas frases, eu as escuto desde criança e são muito marcantes. Por gentileza, esqueça as frases clichês no seu próximo funeral.

ü Quando uma mãe e/ou pai perdem um filho e estes possuem outros filhos:
“ Pelo menos você tem outros filhos” – “Vocês são jovens e ainda poderão ter outros filhos” – “Agora ele é uma estrelinha no céu” – “Seja grato(a) por ele ter estado em suas vidas, mesmo que por pouco tempo” – “Ele(a) agora será mais um anjinho no céu”...

Um dos lutos mais difíceis de serem elaborados é quando os pais perdem um filho. Então, imaginem o que é ouvir estas frases durante o processo de luto. Para esses pais um outro filho jamais substituirá aquele que morreu.

ü Quando um homem ou uma mulher torna-se viúvo e/ou viúva:
“Você é jovem com certeza encontrará outro companheiro(a) – “Hoje em dia tem muitos viúvos(as) em busca de alguém”...

Cuidado, pois a pessoa que acabou de perder seu companheiro(a) ao ouvir estas frases pode achar que você está insinuando que aquela pessoa que morreu não era tão amada e pode ser facilmente substituída.

ü Quando transferimos para o tempo a solução de todos os problemas:
“O tempo cura todas as dores” – “Isso leva tempo, mas não se preocupe, vai passar”...

Sim, o tempo é algo importante. Até mesmo nós terapeutas, quando atendemos um enlutado, precisamos saber há quanto tempo aquele paciente está em processo de luto. Mas precisamos compreender que, quando uma pessoa perde alguém querido, a vida demora um certo tempo para voltar ao normal. Ao ouvir estas frases o enlutado pode ter a impressão de que há um prazo de validade para a sua dor e que precisam se recuperar logo. Contudo, pode ser que algumas pessoas demorem uma eternidade para se recuperarem da perda que tiveram.
 
 

ü Quando queremos encorajar uma pessoa a voltar para vida cotidiana:
“Bola para frente, você precisa sair de casa” – “Você sempre foi tão forte” – “Para de chorar, ele(a) não fica feliz com isto de lá onde ele(a) está”...

Certamente, ao dizer estas frases a pessoa está querendo de alguma forma encorajar o enlutado a retomar seu cotidiano. Mas elas podem ser prejudiciais para a elaboração adequada do luto. O enlutado pode sentir-se inibido de demostrar a sua dor e isto pode causar complicações psíquicas futuras. Talvez neste momento de profunda dor o enlutado queira mostrar a todos o quão ele também é frágil e que possui fraquezas. O enlutado precisa expressar a sua dor.

ü Quando há comparações:
“Sei exatamente o que você está sentindo, pois aconteceu comigo” – “Não sei se serve de consolo, mas o meu caso foi bem pior que o seu, porque...” – “Nossa, eu chorava o dia inteiro”...

Cada pessoa é única e cada qual sente e percebe as situações do cotidiano de uma maneira. Posso afirmar que nunca alguém saberá exatamente o que o outro está sentindo. O enlutado pode achar que a pessoa está menosprezando a sua dor.

ü Quando há curiosidade:
“Mas, exatamente como ele morreu? ” – “Me disseram que ele(a) morreu de maneira trágica, como foi?”... 

Não existe nada mais inapropriado do que alguém ficar perguntando os detalhes sobre como a pessoa morreu ao enlutado. Neste momento, caso o enlutado queira falar sobre o ocorrido, apenas ouça. Não faça perguntas apenas para satisfazer a sua curiosidade.

Não tenho dúvidas de que as pessoas dizem as frases citadas acima com as melhores das intenções, pois a maioria não sabe o que dizer num momento de morte. Com certeza, estar ao lado de um enlutado não é uma tarefa fácil, mas devemos ter muito cuidado com as palavras ao tentarmos “amenizar” a dor de uma perda.

Com efeito, se você estiver com dificuldade de expressar seus sentimentos em palavras, então, diga apenas o necessário – “Eu sinto muito pela sua perda, meus sentimentos”. Às vezes, um forte abraço pode “dizer” mais que mil palavras. Eu penso que uma frase interessante seja: “O que eu posso fazer para ajudá-lo?”. Pois, quando a pessoa está em processo de luto, muitas vezes, não tem condições psíquicas para pensar nas coisas básicas do cotidiano. Então, colocar-se à disposição para alguns afazeres do dia-a-dia pode ser de grande valia para seu amigo e/ou familiar enlutado.
O importante é que o enlutado se sinta acolhido em seu momento de dor, apenas isto.

Nazaré Jacobucci
Psicóloga Especialista em Luto

 

Referências:
Incontri D, Santos FS, organizadores. A arte de morrer – visões plurais. Bragança Paulista: Comenius; 2007.
Caderno de anotações das minhas aulas no Quatro Estações Instituto de Psicologia (SP).

terça-feira, 18 de agosto de 2015

E agora, o que faço com os pertences do meu ente querido (?)

“A dor é suportável quando conseguimos acreditar que ela terá um fim e não quando fingimos que ela não existe”. (Allá Bozarth-Campbell)

Eu penso que uma das tarefas mais árduas da vida é, sem dúvida, assimilar a morte de uma pessoa querida. Inevitavelmente, em algum momento iremos nos deparar com a seguinte questão: O que fazer com tudo aquilo que pertenceu a alguém que era muito amado? Para muitas pessoas, o momento de esvaziar o guarda-roupa significa encarar a dura realidade de que aquele ente querido não irá mais voltar. É o momento da constatação da perda. Há uma sensação de vazio. Parece que nada ou ninguém será capaz de preencher.

Certa vez ouvi de uma paciente: “O que eu faço com os pertences do meu filho? As roupas, os livros, a bicicleta que ele simplesmente amava, a coleção de bonés, enfim, o que eu faço com as coisas que ele gostava? Gostaria muito de doar tudo para quem precise, mas não consigo. Quero ficar com tudo para sempre. ” Fazia 5 anos que seu filho havia morrido, num drástico acidente, quando esta paciente tomou a decisão de iniciar um processo psicoterapêutico para auxiliá-la no processo de elaboração do luto.

Primeiramente, precisamos acolher esta pessoa em seu processo de luto e validar estas questões, pois são de extrema importância e causam muita angústia e tristeza. No setting terapêutico é permitido chorar o quanto for necessário, e se revoltar também, pois estes sentimentos fazem parte da elaboração do luto e precisam ser expressados. Após esta fase, observo que o paciente começa a enfrentar aos poucos sua nova realidade cotidiana e, a partir deste momento, ele começa a se reestruturar e dá início a um novo capítulo da sua história.

Contudo, cada pessoa tem seu tempo e não podemos ter pressa num processo de luto. Conforme ela vai assimilando a perda, ela começa a se sentir confortável para lidar e se desfazer dos pertences dos quais a pessoa querida gostava. Porém, gosto de enfatizar que este processo é uma experiência pessoal e única para cada indivíduo, não existindo, portanto, uma sequência a ser seguida.

No meu trabalho clínico com enlutados tenho, por hábito, criar juntamente com o paciente uma caixa de memórias a qual nós damos o nome de “Caixa da Memória”. De acordo com o tempo do paciente, peço que ele comece a separar aquilo que ele considera mais precioso e que gostaria muito de guardar. Após ele ter feito esta separação, peço que ele compre uma caixa – a que ele desejar – e que tenha em mente que será ali que ele colocará os pertences escolhidos. Fazemos uma etiqueta com o nome da pessoa que morreu e a colocamos na tampa da caixa. Assim, ele poderá rever os objetos no momento que desejar.


(Crochê feito pela minha mãe, herdado por mim, que eu transformei numa linda bandeja)
 
A paciente acima citada após um ano em psicoterapia conseguiu criar a “caixa da memória” de seu filho e colocou em sua caixa – um moletom que o filho amava, alguns CDs, um boné e muitas, muitas fotos. No dia em que fizemos a etiqueta com o nome de seu filho ela me disse: “estou bem e acredito que já consigo olhar para a vida novamente, acho que ainda vou chorar muito, mas eu sei que agora já consigo”.

Com certeza, a pessoa que morreu jamais será esquecida e as boas lembranças permanecerão para sempre, mas agora ela pertence a uma outra dimensão. Eu percebo que o paciente está caminhando para elaboração do luto quando ele “morre” para a condição de “ter” dores e renasce para a condição de “ser” com as dores da existência humana. Ele percebe que a vida segue e que, como escreveu Adélia Prado, “aquilo que a memória amou fica eterno”.

Nazaré Jacobucci
Psicóloga Especialista em Luto

quarta-feira, 8 de julho de 2015

A Morte no tempo certo!

"Nascer bem, viver bem e morrer bem são os três pontos principais da felicidade humana. Mas de tal modo que do primeiro depende o segundo, e do segundo, o terceiro”. (Comenius)
 

Recentemente no meu curso de bioética na Universidade de Oxford tivemos a oportunidade de discutir um pouco sobre as questões éticas que envolvem um processo de morte por eutanásia e, claro, como não poderia ser diferente, a discussão foi árdua. Reproduzirei uma parte do meu ensaio para este tema, no qual expus minha opinião.

Primeiramente analisemos o que é a eutanásia e as questões éticas que a envolve.

De acordo com Batista e Schramm, um ponto da maior relevância é destacar a existência de uma série de situações distintas agrupadas sob o conceito genérico de eutanásia, a saber:

A distinção quanto ao ato: (a) Eutanásia ativa — ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente, por fins humanitários (por exemplo, utilizando uma injeção letal); (b) Eutanásia passiva — quando a morte ocorre por omissão proposital em se iniciar uma ação médica que garantiria a perpetuação da sobrevida (por exemplo, deixar de se iniciar aminas vasoativas no caso de choque não responsivo à reposição volêmica); (c) Eutanásia de duplo efeito — nos casos em que a morte é acelerada como consequência de ações médicas não visando ao êxito letal, mas sim, ao alívio do sofrimento de um paciente (por exemplo, emprego de morfina para controle da dor, gerando, secundariamente, depressão respiratória e óbito). A distinção quanto ao consentimento do enfermo: (a) Eutanásia voluntária — em resposta à vontade expressa do doente — o que seria um sinônimo do suicídio assistido; (b) Eutanásia involuntária — quando o ato é realizado contra a vontade do enfermo, o que, em linhas gerais, pode ser igualado ao "homicídio"; (c) Eutanásia não voluntária — quando a vida é abreviada sem que se conheça a vontade do paciente (BATISTA; SCHRAMM, 2005).

Contudo, a prática da eutanásia levanta uma série de dilemas morais e éticos que precisam ser analisados sob várias óticas.

1)    É sempre certo pôr fim à vida de um paciente terminal que está passando por dor e sofrimento?

2)    Em que circunstâncias pode ser justificável a eutanásia, se em tudo?

3)    Há uma diferença moral entre matar alguém e deixá-lo morrer?
 
No coração dessa discussão, as pessoas têm diferentes ideias sobre o significado e o valor da existência humana.

Há também uma série de argumentos baseados em questões práticas. Algumas pessoas pensam que a eutanásia não deve ser permitida, mesmo que fosse moralmente correto, porque poderia ser abusada e usada como uma capa para o assassinato. Outras acham que a dor insuportável é a principal razão das pessoas que procuram a eutanásia, mas algumas pesquisas nos EUA e na Holanda mostraram que menos de um terço dos pedidos de eutanásia eram por causa de dor severa. Os fatores psicológicos que levam as pessoas a pensarem em eutanásia incluem a depressão, o temor de perda de controle ou dignidade, estar sentindo-se um fardo, ou não gostar de ser dependente.
 
 

Eu penso que o paciente pode definir, sozinho ou com a ajuda de um médico, como deseja morrer e entre as possibilidades está a eutanásia. Eu respeito e entendo que ele tenha o direito de decidir sobre o próprio processo de morte. Porém, no meu entendimento, existe uma outra possibilidade que pode auxiliar os pacientes na fase terminal de enfermidades graves e sem possibilidade terapêutica de cura.

Neste sentido, temos a proposta da Ortotanásia que seria a promoção da morte no momento certo (orto: certo, thanatos: morte), nem antes, como ocorre no caso da eutanásia, nem depois, como na distanásia. Assim, ela opta por restringir - ou descartar - tratamentos agressivos e ineficientes que não reverterão o quadro clínico, e por proporcionar ao paciente  qualidade em seu processo de morte. A ortotanásia, diferentemente da eutanásia, é sensível ao processo de humanização da morte, ao alívio das dores, e não incidi em prolongamentos abusivos com a aplicação de meios desproporcionados que somente imporiam sofrimentos adicionais (PESSINI, 2007).

Os pressupostos que permeiam a ortotanásia estão diretamente ligados aos de cuidados paliativos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define Cuidados Paliativos, como o controle da dor e de outros sintomas, e o cuidado dos problemas de ordem psicológica, social e espiritual; atingindo a melhor qualidade de vida possível para os pacientes e suas famílias. Dessa forma, os cuidados visando ao bem-estar da pessoa passam a ser a prioridade, e não a luta contra algo que, inevitavelmente, não tem como se combater – no caso, a doença e o fim da vida.

Com efeito, a ortotanásia permite ao paciente vivenciar a sua finitude com dignidade, sem sofrimento. É uma possibilidade de morrer com naturalidade, se possível ao lado da família e amigos.  Os cuidados paliativos deveriam ser mais discutidos nos nossos hospitais e considerados como uma opção de tratamento. Um serviço adequado de cuidados paliativos proporcionará aos pacientes uma “morte no seu tempo certo” permitindo, assim, que estes pacientes digam adeus à vida com dignidade.

A sociedade precisa discutir com mais propriedade os fundamentos da Ortotanásia para que possamos compreender o que é, de fato, morrer com qualidade respeitando a individualidade.

 
Nazaré Jacobucci
Psicóloga Especialista em Luto

 
Referências:

Batista RS, Schramm FR. Conversações sobre a "boa morte": o debate bioético acerca da eutanásia. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 111-119, jan./feb. 2005.
Pessini L. Vida e morte: uma questão de dignidade. In: Incontri D, Santos FS, organizadores. A arte de morrer – visões plurais. Bragança Paulista: Comenius; 2007.
Pessini L. Bioética e cuidados paliativos: alguns desafios do cotidiano aos grandes dilemas. In: Pimenta CAM, organizadora. Dor e cuidados paliativos: enfermagem, medicina e psicologia. Barueri: Manole; 2006.
Incontri D, Santos FS, organizadores. A arte de morrer – visões plurais. Bragança Paulista: Comenius; 2007.
http://www.bbc.co.uk/ethics/euthanasia/

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Conversando sobre a Morte!

“A morte não vem de fora, mas se processa dentro da vida com a perda progressiva da força vital. Morremos um pouco a cada minuto e um dia este processo chegará ao fim”. (L. Boff)

A sociedade moderna possui novos tabus e dentre eles está a morte. Hoje os pais conversam com seus filhos sobre drogas e métodos contraceptivos, porém na minha prática clínica/hospitalar tenho observado que pais e filhos não conversam sobre a morte. A família muitas vezes desconhece como aquele ente querido gostaria de morrer, o que ele gostaria de fazer em caso de uma doença crônica sem possibilidade de cura ou uma morte súbita. Quando algum membro da família começa a falar sobre este tema alguém automaticamente diz – para com isso, que assunto mais chato, tanta coisa boa para conversar e você quer falar de morte, que bobagem –. Infelizmente, o tema da morte se tornou interdito no século XX, sendo banido da comunicação entre as pessoas. (Ariès, 1977).

A morte praticamente tornou-se uma inimiga que precisa ser combatida e silenciada a qualquer custo. O aumento da expectativa de vida e os avanços na medicina nos fazem crer que sempre teremos recursos para postergar a morte. Parece que existe uma convenção social que nos impede de falar sobre o tema, por isso as pessoas não estão preparadas para enfrentar a finitude dos entes queridos e tampouco a sua própria finitude. Vivemos ignorando a existência da morte e agimos como se ela fosse algo improvável. Negar a morte é não querer entrar em contato com as experiências que nos causam sofrimento, permitindo, assim, segundo Kovács (2002), fantasiar a ilusão da imortalidade, dando a ideia de força e de controle sobre o medo da morte.

No entanto, a morte faz parte do desenvolvimento humano. Em algum momento de nossa existência iremos partir em definitivo. Então, precisamos contar para as pessoas como queremos vivenciar este dia único. Dialogar sobre a morte é importante porque este tema possui uma magnitude de significados que, ao se desvelar, pode tornar sua aceitação mais fácil. Eu penso que deveríamos ter uma outra cultura sobre a morte. Uma cultura de diálogo nos permitiria ter menos raiva diante desse processo, seja nosso ou do outro. Dizer para os familiares o que gostaríamos que fosse feito na hora da nossa morte e falar do que acreditamos que vai acontecer conosco depois da partida pode nos auxiliar a desmistificar o “fantasma” chamado morte.


Observo que é na hora da morte que as pessoas tomam consciência das coisas que ficaram inacabadas ou malfeitas, que precisamos dar um fechamento a algumas situações e/ou assuntos e que, muitas vezes, precisamos perdoar alguém ou perdoar a nós mesmos. Quando acompanhamos alguém em processo de morte é importante que esta pessoa possa falar e trazer à tona tudo que está pela metade, tudo que a está angustiando, as incertezas, os medos e, claro, as boas lembranças. Contudo, isto só poderá ocorrer quando a família começar a falar sem reservas sobre a morte. Acredite esta conversa pode ser fascinante.

Penso que seria interessante se pudéssemos conversar com nossos familiares e explicar a eles como queremos morrer, o que queremos neste dia único e sublime, para quem queremos deixar nossos pertences mais íntimos e nossa herança, se queremos ser enterrados ou cremados, se cremados, onde gostaríamos que jogassem nossas cinzas, se queremos que nossos órgãos sejam doados ou não, quais pessoas queremos nos nossos rituais fúnebres. Como pudemos observar, são muitas as questões a serem pensadas e faladas. Então, não deixe tudo literalmente para o último minuto, pois pode não dar tempo.

A morte é um tema que nos convida à reflexão sobre a vida e sobre o que temos feito com ela. É importante dialogar e refletir sobre a morte e o morrer pois por sermos seres mortais é que podemos compreender o verdadeiro significado da vida.

Nazaré Jacobucci
Psicóloga Especialista em Luto

Referências:
Ariès P. A História da Morte no Ocidente. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.
Lima JL. Morte e Morrer A importância do estudo da morte para os profissionais de enfermagem. Arquivos da UFF.
Kovács MJ. Educação para a Morte: um Desafio na Formação de Profissionais de Saúde e Educação. São Paulo, 2002. Tese de Livre-Docência. Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.
Kovács MJ. Morte e Desenvolvimento Humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

O Luto Complicado

"São só dois lados da mesma viagem. O trem que chega é o mesmo trem da partida" (Milton Nascimento)
 
Existem situações em que o processo de luto, principalmente por morte de um ente querido, não segue a evolução normal, ou seja, o indivíduo não consegue se reestruturar, podendo ocorrer fixação numa das etapas e, consequentemente, a não elaboração do luto. Num processo de luto complicado há uma dificuldade extrema em aceitar a perda. Nestas circunstâncias, o luto permanece não resolvido ao longo do tempo, durante vários anos, e, por vezes, para o resto da vida, interferindo no estado emocional da pessoa e impactando significativamente a sua vida. Este se caracteriza por uma melancolia duradoura, acompanhada em geral de profunda tristeza, problemas de saúde, distúrbios psíquicos e diminuição dos contatos sociais.

Segundo Horowitz, o luto complicado é a intensificação do luto até o ponto em que a pessoa se sente sobrecarregada, recorre a um comportamento mal adaptado ou permanece interminavelmente num estado de luto, sem progressão do processo em direção a seu término.
Podemos pensar que a diferença entre as reações emocionais e comportamentais de um processo de luto normal e as de luto complicado não se diferenciam pelo modo como aparecem e sim pela sua duração e intensidade.




O diagnóstico de luto complicado não é tarefa fácil, mas alguns fatores podem nos auxiliar a identificar que a pessoa está vivenciando este processo. Por exemplo: foco extremo na perda e lembranças da pessoa morta; intenso desejo ou anseio de encontrar a pessoa; dificuldade para aceitar a morte; dificuldade para realizar coisas do cotidiano; estado de humor permanentemente alterado; comportamento antissocial; ideação suicida e comportamentos autodestrutivos; sentimento que a vida não tem qualquer significado ou propósito. Esta sintomatologia também pode ocorrer num processo de luto normal, no entanto, no luto complicado estes sintomas não mostram sinais de evolução e/ou melhora ao longo do tempo.

Alguns fatores podem contribuir para o risco de uma pessoa caminhar para o luto complicado, tais como: uma morte inesperada e/ou violenta; morte por suicídio de um ente amado; falta de suporte social – familiares e amigos; experiências traumáticas na infância; ansiedade de separação na infância; não aceitar a morte como um processo natural; dificuldade de adaptação a mudanças de vida.

O luto complicado pode levar a depressão maior, mas não significa que são a mesma coisa, suas características diagnósticas podem ser diferenciadas por critérios do DSM, ajudando a realização de um diagnóstico correto. (Zisook; Shear, 2009).

Contudo, em recente aula no St Christopher's Hospice, o Prof. Parkes nos alertou sobre a importância de discutirmos esta diferenciação para que não haja erro de diagnóstico. Segundo ele, Complicated bereavement is complicated (Luto complicado é complicado).

Não temos como prevenir o luto complicado, mas as pessoas que apresentam maior risco de desenvolvê-lo devem ser orientadas a buscar ajuda terapêutica, para dissolver as crenças negativas sobre a perda, falar sobre a dor e a angústia que se está vivenciando e permitir-se chorar.

Nazaré Jacobucci
Psicóloga Especialista em Luto


Referências:
Horowitz MJ. Pathological grief and the activation of latent self images. American Journal of Psychiatry; 1980.
Parkes CM. Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. Tradução: Maria Helena Franco Bromberg. São Paulo: Summus; 1998. 291 p.
Parkes CM. Complicates Grief in the DSM5. Aula no St Christopher's Hospice; 2014.
Zisook S; Shear K. Grief and bereavement: what psychiatrists need to know.World Psychiatry; 2009.

quinta-feira, 26 de março de 2015

O Processo de Luto!

“As pessoas farão de tudo, chegando ao limite do absurdo para evitar enfrentar a sua própria alma. Mas, ninguém se torna iluminado por imaginar figuras de luz, mas sim ao se conscientizar da escuridão” (C. G. Jung)

O Luto é um processo que se inicia após o rompimento de um vínculo e estende-se até o período de sua elaboração – quando o indivíduo enlutado volta-se, novamente, ao mundo externo. O luto é um processo essencial para que nós possamos nos reconstruir, nos reorganizar, diante do rompimento de um vínculo. É um desafio emocional, psíquico e cognitivo com o qual todos nós temos que lidar.  Inclui transformação e ressignificação da relação com o que foi perdido.

Ao contrário do que muitos pensam, o processo de luto pode ocorrer por: Morte de um ser humano, Morte de um animal de estimação, por Separação conjugal, por Aposentadoria, por Demissão do trabalho, por Imigração, por Envelhecimento, por Doença, e por vários outros tipos de rompimento.

Reações à perda de algo significativo, muitas vezes, incluem impedimento e/ou desinteresse temporário na realização das atividades diárias do cotidiano, isolamento social, pensamentos intrusivos e sentimentos de saudade e tristeza, que variam e evoluem ao longo do tempo. Em alguns casos pode culminar num estado de depressão. O traço mais característico no processo de luto são episódios agudos de dor, com muita ansiedade e dor psíquica.

Num processo de luto podemos ou não vivenciar algumas fases, a saber: A Negação e/ou Entorpecimento, A Raiva/Protesto, O Desespero, A Depressão e, por fim, a Aceitação que culmina com a Elaboração. Porém, estas fases não necessariamente seguem esta ordem. A aceitação só se dá a partir de um longo processo e ela não significa esquecer, disfarçar que nada ocorreu ou ainda não sentir dor quando lembrar. Na aceitação o sofrimento psíquico e/ou emocional passa a ser menos intenso, e o indivíduo enlutado passa, geralmente, a restaurar laços sociais, recuperando vínculos antigos e estabelecendo novas relações. Quando a elaboração acontece, morremos para a condição de termos dores e renascemos para a condição de sermos com as dores.



Apesar do luto ser um processo universal, cada indivíduo possui uma forma particular de reagir. Este processo varia de acordo com a faixa etária em que o indivíduo se encontra, o tipo de vinculação existente e as causas e circunstâncias da perda. Varia também de acordo com sua estrutura emocional, vivências e capacidade para lidar com perdas. É fundamental que esse processo de enlutamento seja vivenciado até que ele seja elaborado, para que a dor da perda não fique reprimida. Tal processo se dá de forma lenta e gradual, com duração variável para cada pessoa.

Quanto à duração do processo, não existe uma resposta conclusiva. O processo de luto é vivenciado pelas pessoas de forma individual e subjetiva, o que torna inadequado estipular um prazo para seu término. Segundo Worden, no entanto, quando se perde uma relação próxima é muito improvável levar menos de um ano e, para muitos casos, pode levar dois anos ou até mais.

Contudo, existem situações em que o processo de luto não segue a evolução normal, ou seja, o indivíduo não consegue se reestruturar, podendo ocorrer fixação numa das etapas e, consequentemente, a não elaboração do luto. Nestas circunstâncias, o luto permanece não resolvido ao longo do tempo, durante vários anos, e, por vezes, para o resto da vida, interferindo no estado emocional da pessoa e impactando significativamente a sua vida. Nestes casos, em que há o prolongamento do luto, o denominamos de Luto Complicado. Este se caracteriza por uma melancolia duradoura, acompanhada em geral de profunda tristeza, problemas de saúde, distúrbios psíquicos e diminuição dos contatos sociais, o que exige processos de readaptação com a ajuda de profissionais habilitados.

A psicoterapia poderá auxiliar o indivíduo no enfrentamento desse processo, na medida em que é um espaço no qual o paciente pode expressar a sua dor, ao mesmo tempo que promove o desenvolvimento de mecanismos internos que permitem superar as fixações ou bloqueios, com vista à aceitação da perda e a um reposicionamento no mundo real. (Parkes, 1998).

Nazaré Jacobucci
Psicóloga Especialista em Luto

Referências:
Parkes CM. Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. Tradução: Maria Helena Franco Bromberg. São Paulo: Summus; 1998. 291 p.
Ross, A. Counselling a Practical Guide (London: Icon Books Ltd.); 2013.
Worden, J. Grief Counseling and Grief Therapy. A Handbook for the Mental Health Practitioner (2nd ed.). London: Routledge.; 1991.
“O encontro de Prometeu, Héracles e Quiron – A morte e o morrer: ritos de passagem” (Revista Junguiana v. 29/1, p. 59)