Recentemente no meu curso
de bioética na Universidade de Oxford tivemos a oportunidade de discutir um
pouco sobre as questões éticas que envolvem um processo de morte por eutanásia
e, claro, como não poderia ser diferente, a discussão foi árdua. Reproduzirei
uma parte do meu ensaio para este tema, no qual expus minha opinião.
Primeiramente analisemos o
que é a eutanásia e as questões éticas que a envolve.
De acordo com Batista e
Schramm, um ponto da maior relevância é destacar a existência de uma série de
situações distintas agrupadas sob o conceito genérico de eutanásia, a saber:
A distinção quanto ao ato: (a) Eutanásia
ativa — ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente, por fins
humanitários (por exemplo, utilizando uma injeção letal); (b) Eutanásia passiva
— quando a morte ocorre por omissão proposital em se iniciar uma ação médica
que garantiria a perpetuação da sobrevida (por exemplo, deixar de se iniciar
aminas vasoativas no caso de choque não responsivo à reposição volêmica); (c)
Eutanásia de duplo efeito — nos casos em que a morte é acelerada como
consequência de ações médicas não visando ao êxito letal, mas sim, ao alívio do
sofrimento de um paciente (por exemplo, emprego de morfina para controle da
dor, gerando, secundariamente, depressão respiratória e óbito). A distinção quanto ao consentimento do
enfermo: (a) Eutanásia voluntária — em resposta à vontade expressa do doente —
o que seria um sinônimo do suicídio assistido; (b) Eutanásia involuntária —
quando o ato é realizado contra a vontade do enfermo, o que, em linhas gerais,
pode ser igualado ao "homicídio"; (c) Eutanásia não voluntária —
quando a vida é abreviada sem que se conheça a vontade do paciente (BATISTA;
SCHRAMM, 2005).
Contudo, a prática da
eutanásia levanta uma série de dilemas morais e éticos que precisam ser
analisados sob várias óticas.
1)
É
sempre certo pôr fim à vida de um paciente terminal que está passando por dor e
sofrimento?
2) Em que circunstâncias pode ser
justificável a eutanásia, se em tudo?
3) Há uma diferença moral entre matar
alguém e deixá-lo morrer?
Há também uma série de
argumentos baseados em questões práticas. Algumas pessoas pensam que a
eutanásia não deve ser permitida, mesmo que fosse moralmente correto, porque
poderia ser abusada e usada como uma capa para o assassinato. Outras acham que
a dor insuportável é a principal razão das pessoas que procuram a eutanásia,
mas algumas pesquisas nos EUA e na Holanda mostraram que menos de um terço dos
pedidos de eutanásia eram por causa de dor severa. Os fatores psicológicos que
levam as pessoas a pensarem em eutanásia incluem a depressão, o temor de perda
de controle ou dignidade, estar sentindo-se um fardo, ou não gostar de ser
dependente.
Eu penso que o paciente
pode definir, sozinho ou com a ajuda de um médico, como deseja morrer e entre as
possibilidades está a eutanásia. Eu respeito e entendo que ele tenha o direito
de decidir sobre o próprio processo de morte. Porém, no meu entendimento, existe
uma outra possibilidade que pode auxiliar os pacientes na fase terminal de
enfermidades graves e sem possibilidade terapêutica de cura.
Neste sentido, temos a
proposta da Ortotanásia que seria a promoção da morte no momento certo (orto:
certo, thanatos: morte), nem antes, como ocorre no caso da eutanásia, nem
depois, como na distanásia. Assim, ela opta por restringir - ou descartar -
tratamentos agressivos e ineficientes que não reverterão o quadro clínico, e por
proporcionar ao paciente qualidade em
seu processo de morte. A ortotanásia, diferentemente da eutanásia, é sensível
ao processo de humanização da morte, ao alívio das dores, e não incidi em
prolongamentos abusivos com a aplicação de meios desproporcionados que somente
imporiam sofrimentos adicionais (PESSINI, 2007).
Os pressupostos que
permeiam a ortotanásia estão diretamente ligados aos de cuidados paliativos. A
Organização Mundial de Saúde (OMS) define Cuidados Paliativos, como o controle
da dor e de outros sintomas, e o cuidado dos problemas de ordem psicológica,
social e espiritual; atingindo a melhor qualidade de vida possível para os
pacientes e suas famílias. Dessa forma, os cuidados visando ao bem-estar da
pessoa passam a ser a prioridade, e não a luta contra algo que,
inevitavelmente, não tem como se combater – no caso, a doença e o fim da vida.
A sociedade precisa
discutir com mais propriedade os fundamentos da Ortotanásia para que possamos
compreender o que é, de fato, morrer com qualidade respeitando a
individualidade.
Referências:
Batista RS, Schramm FR.
Conversações sobre a "boa morte": o debate bioético acerca da
eutanásia. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 111-119,
jan./feb. 2005.
Pessini L. Vida e morte:
uma questão de dignidade. In: Incontri D, Santos FS, organizadores. A arte de
morrer – visões plurais. Bragança Paulista: Comenius; 2007.Pessini L. Bioética e cuidados paliativos: alguns desafios do cotidiano aos grandes dilemas. In: Pimenta CAM, organizadora. Dor e cuidados paliativos: enfermagem, medicina e psicologia. Barueri: Manole; 2006.
Incontri D, Santos FS, organizadores. A arte de morrer – visões plurais. Bragança Paulista: Comenius; 2007.
http://www.bbc.co.uk/ethics/euthanasia/