quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O que não dizer a uma pessoa em processo de luto

"O silêncio também fala, Fala e muito!
O silêncio pode falar mesmo quando as palavras falham”. (Osho)

O luto é um processo normal de elaboração diante de um rompimento de um vínculo. Este processo se iniciará por perdas reais e/ou simbólicas, ou seja, cotidianamente nós passamos por este processo e ele será vivenciado por toda a nossa existência. Contudo, o luto fica mais em evidência após a morte de um ser humano.

Possivelmente, neste exato momento, você conheça alguém que esteja vivenciando um processo de luto. Como na nossa sociedade moderna pouco falamos ou se quer pensamos sobre a morte, então, em muitas situações, não sabemos o que dizer ou até mesmo como agir diante de um enlutado. Muitas vezes, as palavras são absolutamente ineficazes e, às vezes, no desejo de querer confortar a pessoa enlutada, podemos dizer coisas que, na verdade, podem piorar a situação.

Quando estamos diante de um enlutado devemos ter muito cuidado com as palavras, pois a necessidade de dizer algo pode ser mais constrangedora que o silêncio. Uma palavra dita inadequadamente pode ter um impacto devastador para alguém que está vivenciando um momento de extrema fragilidade. Na minha prática clínica ouvi muitos pacientes comentarem sobre frases que lhes foram ditas e que não lhes ajudaram em nada. Ao contrário, muitos expressaram tristeza e até mesmo raiva por essas frases. Por isso, preparei uma lista de frases para que possamos refletir sobre o que não dizer a um enlutado.

ü Quando uma pessoa morre após um longo período de internação por doença sem possibilidade de cura:
“Pelo menos ele(a) agora não está mais sofrendo” – “Ele(a) agora está num lugar muito melhor que nós” – “Deus sabe sempre o que faz” – “Tudo nesta vida tem uma razão” – “Deus não nos dá tristezas que não possamos suportar” – “Ele(a) já tinha idade viveu bastante”...

Estas frases, eu as escuto desde criança e são muito marcantes. Por gentileza, esqueça as frases clichês no seu próximo funeral.

ü Quando uma mãe e/ou pai perdem um filho e estes possuem outros filhos:
“ Pelo menos você tem outros filhos” – “Vocês são jovens e ainda poderão ter outros filhos” – “Agora ele é uma estrelinha no céu” – “Seja grato(a) por ele ter estado em suas vidas, mesmo que por pouco tempo” – “Ele(a) agora será mais um anjinho no céu”...

Um dos lutos mais difíceis de serem elaborados é quando os pais perdem um filho. Então, imaginem o que é ouvir estas frases durante o processo de luto. Para esses pais um outro filho jamais substituirá aquele que morreu.

ü Quando um homem ou uma mulher torna-se viúvo e/ou viúva:
“Você é jovem com certeza encontrará outro companheiro(a) – “Hoje em dia tem muitos viúvos(as) em busca de alguém”...

Cuidado, pois a pessoa que acabou de perder seu companheiro(a) ao ouvir estas frases pode achar que você está insinuando que aquela pessoa que morreu não era tão amada e pode ser facilmente substituída.

ü Quando transferimos para o tempo a solução de todos os problemas:
“O tempo cura todas as dores” – “Isso leva tempo, mas não se preocupe, vai passar”...

Sim, o tempo é algo importante. Até mesmo nós terapeutas, quando atendemos um enlutado, precisamos saber há quanto tempo aquele paciente está em processo de luto. Mas precisamos compreender que, quando uma pessoa perde alguém querido, a vida demora um certo tempo para voltar ao normal. Ao ouvir estas frases o enlutado pode ter a impressão de que há um prazo de validade para a sua dor e que precisam se recuperar logo. Contudo, pode ser que algumas pessoas demorem uma eternidade para se recuperarem da perda que tiveram.
 
 

ü Quando queremos encorajar uma pessoa a voltar para vida cotidiana:
“Bola para frente, você precisa sair de casa” – “Você sempre foi tão forte” – “Para de chorar, ele(a) não fica feliz com isto de lá onde ele(a) está”...

Certamente, ao dizer estas frases a pessoa está querendo de alguma forma encorajar o enlutado a retomar seu cotidiano. Mas elas podem ser prejudiciais para a elaboração adequada do luto. O enlutado pode sentir-se inibido de demostrar a sua dor e isto pode causar complicações psíquicas futuras. Talvez neste momento de profunda dor o enlutado queira mostrar a todos o quão ele também é frágil e que possui fraquezas. O enlutado precisa expressar a sua dor.

ü Quando há comparações:
“Sei exatamente o que você está sentindo, pois aconteceu comigo” – “Não sei se serve de consolo, mas o meu caso foi bem pior que o seu, porque...” – “Nossa, eu chorava o dia inteiro”...

Cada pessoa é única e cada qual sente e percebe as situações do cotidiano de uma maneira. Posso afirmar que nunca alguém saberá exatamente o que o outro está sentindo. O enlutado pode achar que a pessoa está menosprezando a sua dor.

ü Quando há curiosidade:
“Mas, exatamente como ele morreu? ” – “Me disseram que ele(a) morreu de maneira trágica, como foi?”... 

Não existe nada mais inapropriado do que alguém ficar perguntando os detalhes sobre como a pessoa morreu ao enlutado. Neste momento, caso o enlutado queira falar sobre o ocorrido, apenas ouça. Não faça perguntas apenas para satisfazer a sua curiosidade.

Não tenho dúvidas de que as pessoas dizem as frases citadas acima com as melhores das intenções, pois a maioria não sabe o que dizer num momento de morte. Com certeza, estar ao lado de um enlutado não é uma tarefa fácil, mas devemos ter muito cuidado com as palavras ao tentarmos “amenizar” a dor de uma perda.

Com efeito, se você estiver com dificuldade de expressar seus sentimentos em palavras, então, diga apenas o necessário – “Eu sinto muito pela sua perda, meus sentimentos”. Às vezes, um forte abraço pode “dizer” mais que mil palavras. Eu penso que uma frase interessante seja: “O que eu posso fazer para ajudá-lo?”. Pois, quando a pessoa está em processo de luto, muitas vezes, não tem condições psíquicas para pensar nas coisas básicas do cotidiano. Então, colocar-se à disposição para alguns afazeres do dia-a-dia pode ser de grande valia para seu amigo e/ou familiar enlutado.
O importante é que o enlutado se sinta acolhido em seu momento de dor, apenas isto.

Nazaré Jacobucci
Psicóloga Especialista em Luto

 

Referências:
Incontri D, Santos FS, organizadores. A arte de morrer – visões plurais. Bragança Paulista: Comenius; 2007.
Caderno de anotações das minhas aulas no Quatro Estações Instituto de Psicologia (SP).

terça-feira, 18 de agosto de 2015

E agora, o que faço com os pertences do meu ente querido (?)

“A dor é suportável quando conseguimos acreditar que ela terá um fim e não quando fingimos que ela não existe”. (Allá Bozarth-Campbell)

Eu penso que uma das tarefas mais árduas da vida é, sem dúvida, assimilar a morte de uma pessoa querida. Inevitavelmente, em algum momento iremos nos deparar com a seguinte questão: O que fazer com tudo aquilo que pertenceu a alguém que era muito amado? Para muitas pessoas, o momento de esvaziar o guarda-roupa significa encarar a dura realidade de que aquele ente querido não irá mais voltar. É o momento da constatação da perda. Há uma sensação de vazio. Parece que nada ou ninguém será capaz de preencher.

Certa vez ouvi de uma paciente: “O que eu faço com os pertences do meu filho? As roupas, os livros, a bicicleta que ele simplesmente amava, a coleção de bonés, enfim, o que eu faço com as coisas que ele gostava? Gostaria muito de doar tudo para quem precise, mas não consigo. Quero ficar com tudo para sempre. ” Fazia 5 anos que seu filho havia morrido, num drástico acidente, quando esta paciente tomou a decisão de iniciar um processo psicoterapêutico para auxiliá-la no processo de elaboração do luto.

Primeiramente, precisamos acolher esta pessoa em seu processo de luto e validar estas questões, pois são de extrema importância e causam muita angústia e tristeza. No setting terapêutico é permitido chorar o quanto for necessário, e se revoltar também, pois estes sentimentos fazem parte da elaboração do luto e precisam ser expressados. Após esta fase, observo que o paciente começa a enfrentar aos poucos sua nova realidade cotidiana e, a partir deste momento, ele começa a se reestruturar e dá início a um novo capítulo da sua história.

Contudo, cada pessoa tem seu tempo e não podemos ter pressa num processo de luto. Conforme ela vai assimilando a perda, ela começa a se sentir confortável para lidar e se desfazer dos pertences dos quais a pessoa querida gostava. Porém, gosto de enfatizar que este processo é uma experiência pessoal e única para cada indivíduo, não existindo, portanto, uma sequência a ser seguida.

No meu trabalho clínico com enlutados tenho, por hábito, criar juntamente com o paciente uma caixa de memórias a qual nós damos o nome de “Caixa da Memória”. De acordo com o tempo do paciente, peço que ele comece a separar aquilo que ele considera mais precioso e que gostaria muito de guardar. Após ele ter feito esta separação, peço que ele compre uma caixa – a que ele desejar – e que tenha em mente que será ali que ele colocará os pertences escolhidos. Fazemos uma etiqueta com o nome da pessoa que morreu e a colocamos na tampa da caixa. Assim, ele poderá rever os objetos no momento que desejar.


(Crochê feito pela minha mãe, herdado por mim, que eu transformei numa linda bandeja)
 
A paciente acima citada após um ano em psicoterapia conseguiu criar a “caixa da memória” de seu filho e colocou em sua caixa – um moletom que o filho amava, alguns CDs, um boné e muitas, muitas fotos. No dia em que fizemos a etiqueta com o nome de seu filho ela me disse: “estou bem e acredito que já consigo olhar para a vida novamente, acho que ainda vou chorar muito, mas eu sei que agora já consigo”.

Com certeza, a pessoa que morreu jamais será esquecida e as boas lembranças permanecerão para sempre, mas agora ela pertence a uma outra dimensão. Eu percebo que o paciente está caminhando para elaboração do luto quando ele “morre” para a condição de “ter” dores e renasce para a condição de “ser” com as dores da existência humana. Ele percebe que a vida segue e que, como escreveu Adélia Prado, “aquilo que a memória amou fica eterno”.

Nazaré Jacobucci
Psicóloga Especialista em Luto